Fideralina
Augusto Lima
(Dimas
Macedo)
Primeira
filha de Isabel Rita de São José e do major João Carlos Augusto,
antigo deputado à Assembleia Provincial cearense, nasceu Fideralina
Augusto Lima em Lavras da Mangabeira (CE), aos 24 de agosto de 1832.
Apesar
de jamais ter vivido fora do seu município, sua fama de mulher
destemida e audaz correu mundos, sendo considerada uma das maiores
simbologias do mandonismo e uma das grandes expressões políticas do
Ceará e do Nordeste.
Conhecida
como figura de destaque do coronelismo, cujo espírito encarnou com a
sua armadura de guerreira, Fideralina sempre levou às últimas
consequências as vinditas com os seus adversários, ganhando ou
perdendo as demandas com as quais se envolveu.
Falecida
aos 16 de janeiro de 1919, foi casada com o major Ildefonso Correia
Lima, e entre os fatos marcantes da sua trajetória podem ser
enumerados: a detenção do poder político supremo, em Lavras da
Mangabeira, e a derrubada do seu próprio filho, Honório Correia
Lima, da chefia da Intendência local.
Senhora
de vastos domínios territoriais e de grande vocação para o
exercício da política, em Lavras estabeleceu residência em casarão
localizado na então Rua Grande, hoje Major Ildefonso, e sua vivenda
de campo foi construída no sítio Tatu do mesmo município,
ostentando, além da casa-grande, a senzala, a capela e o engenho,
símbolos máximos da autonomia do sistema latifundiário.
Vastíssima
tem sido a crônica histórica a seu respeito, valendo destacar
algumas opiniões de abalizados conhecedores da nossa história
política, selecionadas entre a complexa bibliografia que regista a
sua trajetória.
Em
torno de sua pessoa disse Antônio Barroso Pontes: “Dona
Fideralina, que na sua época dominou toda a região sul do Ceará”.
E Joaryvar Macedo: “Mulher forte, Dona Fideralina tornou-se uma das
maiores expressões da política cearense do seu tempo”.
Assim
opinaram Antônio Martins Filho e Raimundo Girão: “Valente
espírito feminino a quem muito interessava a política cearense”.
Já para Hugo Victor Guimarães foi Dona Fideralina uma “mulher
extraordinária como expressão de bravura e coragem” e “uma das
mulheres que tiveram maior projeção na vida política do Ceará”.
Para
o pesquisador João Alves de Albuquerque, foi Dona Fideralina a
“respeitável senhora que durante longos anos dirigiu a política
de Lavras, cuja chefia lhe fora arrebatada pela morte, pois, só
assim, lhe seria abatido o grande prestígio que sempre desfrutou em
sua terra”.
O
poeta Gentil Augusto Lima, em conferência proferida na Associação
de Imprensa da cidade de Campos (RJ), em 1955, assim se manifestou
sobre ela: “Mais brava e de muito mais valor do que Bárbara de
Alencar, e ainda do que Anita Garibaldi”. Já o historiador Valdery
Uchoa afirmou ser Dona Fideralina uma “mulher notável pelo seu
destemor e pela sua bravura”.
João
Clímaco Bezerra, em artigo estampado na revista Manchete
(em 1976), buscando um paralelo para Marica Lessa, que inspirou o
romance – Dona
Guidinha do Poço –,
de Oliveira Paiva, assim expressou o seu ponto-de-vista: “uma
dessas mulheres que dominaram os sertões no tempo do império e que
passaram ao lendário cearense como Dona Fideralina das Lavras da
Mangabeira”.
O
historiador fluminense João Medeiros, em passagem de um dos seus
livros, registrou que Dona Fideralina era uma mulher que, pela
coragem e atitudes matriarcais, merecia o respeito em toda uma
vastidão rural. E argumentou, em seguida: “Daí ser acatada sua
palavra nos pronunciamentos políticos da região, pois conseguia ter
seus filhos na representação do governo municipal, Assembleia
Estadual e Câmara Federal”.
E
mais, revelou João Medeiros que o Padre Cícero, certa feita, chegou
a ponderar que “não se podia escrever a história do Cariri sem se
deter na pessoa dessa digna matrona”.
O
testemunho mais lúcido sobre Dona Fideralina, no entanto, fica por
conta de Rachel de Queiroz, que, em artigo estampado na revista O
Cruzeiro,
de 07 de agosto de 1976, depois de afirmar que essa destemida
matriarca lavrense foi “a mais famosa dona do Nordeste, e a senhora
de mais cartaz do seu tempo”, acrescenta que Dona Fideralina “foi
uma espécie de rainha sem coroa, foi uma legenda”.
Ainda
segundo as palavras de Rachel, “Das margens do São Francisco aos
seringais do Amazonas a palavra de Dona Fideralina era lei. Sendo de
corpo uma fraca mulher como nós todas, tinha, entretanto, uma alma
de varão, e como varão era não apenas reconhecida, mas temida”.
E
prossegue a autora de
O Quinze:
“Como toda pessoa que cai no folclore, acontece que a figura de
Dona Fideralina foi algumas vezes deformada, envenenada, pois a boca
do povo sempre altera o que repete, para o bem e para o mal. E assim,
porque Dona Fideralina não tinha medo de ninguém, porque sendo
apenas uma mulher, sabia fazer-se respeitada como um coronel de
bigodes; porque, num tempo em que o cangaço era a lei única e nem o
exército podia direito com um bando de jagunços (exemplo: Canudos,
Juazeiro, Princesa), Dona Fideralina também se cercava de cabras
armados para a defesa dos seus e da sua casa”.
Na
fase mais criativa da maturidade, ao publicar a sua obra-prima,
Memorial
de Maria Moura
(São Paulo, Editora Siciliano, 1992), Rachel de Queiroz foi incisiva
ao dizer que se tratava de um romance à
clef,
inspirado na vida de Dona Fideralina Augusto. E mais: chegou a
publicar um folheto intitulado:
Dona Fideralina das Lavras
(Rio, UFRJ, 1990).
O
Cego Aderaldo, num dos seus poemas em que historia a Revolução de
1914, que derrubou o Governo Franco Rabelo, no Ceará, dá-nos
igualmente a dimensão dessa ilustre matrona sertaneja, quando diz:
“Goesinho rolou no chão / temendo a bala ferina / mas quando ele
conheceu / que ali havia ruína / correu com medo dos cabras / de
Dona Fideralina”.
A
sua participação na Revolução de 1914, conhecida por Sedição de
Juazeiro, foi das mais decisivas para a vitória do Movimento. De uma
só empreitada, segundo Floro Bartolomeu, ela teria colocado cinco
mil cartuchos à disposição dos que lutavam contra o Governo de
Franco Rabelo.
Otacílio
Anselmo, que se refere a esse episódio, no seu livro Padre
Cícero: Mito e Realidade
(Rio, Editora Civilização Brasileira, 1968); e bem assim
historiadores como João Brígido e Joaryvar Macedo atribuem um papel
político de destaque a Dona Fideralina Augusto, diante da Sedição
de Juazeiro e ao tempo da Primeira República.
Manteve
Dona Fideralina relações de amizade com o Padre Cícero, e com os
maiores coronéis do Cariri, colocando-se contra ou a favor dos que
rezavam ou não rezavam pela sua cartilha, mandando e desmandando nas
coisas da política sempre que achava que assim devia proceder.
E
o vulgo popular compreendeu, e a literatura de cordel assim registrou
que ela, Dona Fideralina, diferente dos grandes coronéis do Cariri,
queria mandar no mundo inteiro e não apenas na política da sua
região.
Na
sua terra de berço, jamais admitiu que alguém tivesse mais poder do
que ela, vivendo sempre às turras com o Monsenhor Meceno, político
cearense da maior expressão e que foi vigário de Lavras durante o
apogeu do seu mandonismo. Fidera vasculhou de tal forma a vida desse
sacerdote, que terminou descobrindo, em Tauá, um deslize por ele
cometido, dando ciência do feito a seus paroquianos, através de um
panfleto bastante audacioso.
Na
primeira década do século precedente, tomou partido em várias
refregas memoráveis verificadas no Sul do Ceará, e de todas essas
refregas saiu-se Dona Fideralina muito bem, fazendo, em Lavras da
Mangabeira, o casamento da sua filha Josefa com o Juiz de Direito da
Comarca, ameaçando-o com uma severa imposição, e tal forma que o
magistrado se mudou depois para o Amazonas, não regressando mais ao
Ceará.
Em
1902, como registra Joaryvar Macedo, em
Império do Bacamarte
(Fortaleza, Casa de José de Alencar, 1990), a velha matriarca de
Lavras determinou a invasão de Princesa, no Estado da Paraíba, para
vingar a morte do seu neto, Ildefonso Augusto, constituindo, na
época, o Batalhão de Dona Fideralina, comandado por Zuza Febrôncio
e que ali cumpriu fielmente a sua decisão.
Em
Lavras, investiu-se com todas as prerrogativas no poder local,
fazendo o jogo dos interesses políticos com a posição da
Intendência; e, não conseguindo demover o seu filho, Honório
Correia Lima, do cargo de Intendente, em 26 de novembro de 1907,
retirou o mesmo do poder pela força do velho bacamarte, cobrindo-se
depois de luto e se enfurnando em sua fazenda, durante certo tempo.
O
fato acima, como bem salientou o historiador Joaryvar Macedo, trouxe
consequências funestas, não somente para os membros da família
Augusto, da qual Dona Fideralina era o pedestal máximo de
referência, mas para todo o município de Lavras da Mangabeira.
Seu
pai, João Carlos Augusto, antigo Deputado Provincial, fez-se, em
toda a região do Vale do Salgado, um dos maiores líderes políticos
do seu tempo. Afilhado e tido como filho natural de um governador do
Ceará (o Barão de Aracati), trazia do berço, o Major João Carlos,
os requintes da aristocracia; e como bom guerreiro e líder político
do seu povo, chefiou as tropas que libertaram a Vila de Lavras dos
asseclas de Pinto Madeira.
Em
1832, ano em que Dona Fideralina nasceu, a Capital do Médio Salgado
encontrava-se dominada por esse grande caudilho de Jardim, que
espalhava terror e sobressalto em todas as ruas do lugar, às vezes,
até em parceria com o Padre Verdeixa, o vigário lavrense de então.
Esse
desmiolado Padre Verdeixa, conhecido pela alcunha de Canoa Doida, foi
quem batizou Fideralina Augusto, aos 19 de setembro de 1832, na
Igreja Matriz de São Vicente Ferrer, recebendo ela, na pia batismal,
o nome que o seu pai achava muito próximo dos ideais federalistas e
da forma de Estado nos quais acreditava, e pelos quais os seus
familiares lavrenses haviam lutado bravamente.
O
entorno familiar de Fideralina Augusto fez-se, todo ele, cercado de
tragédias e acontecimentos que chamam de plano a atenção: seu
tio-avô, pelo lado materno, José Joaquim Xavier Sobreira, vigário
da freguesia de Lavras e político de grande atuação em todo o
Ceará, foi envenenado; sua tia, pelo ramo paterno, Cosma Francisca
de Oliveira Banhos, assim como seu pai, João Carlos Augusto, e o seu
irmão, Ernesto Carlos Augusto, foram assassinados; e seu primeiro
neto a formar-se em Medicina, Ildefonso Augusto de Lacerda Leite, foi
trucidado de forma violenta na Vila de Princesa, em 1902.
Mas
Dona Fideralina, com os fulgores da sua fortaleza, sobreviveu a todas
as tragédias, à ferrenha oposição da sua irmã, Dulcéria Augusto
de Oliveira, e a todas as circunstâncias difíceis da sua
trajetória. Teve que tomar decisões que lhe fizeram sangrar o
coração, tal aquela de optar por um filho, o Coronel Gustavo, e ter
que derrubar o outro do poder político pelo uso da força.
Episódios
verificados na cidade de Lavras entre 1907 e 1910 e, especialmente,
entre 1911 e 1914, trouxeram-lhe vários dissabores, e dividiram
definitivamente os descendentes da família Augusto, ao preço de
assassinatos memoráveis, tal aquele perpetrado contra o seu próprio
filho, o célebre Coronel Gustavo.
Como
nenhum mandatário do seu tempo, Dona Fideralina encarnou as
instituições vigentes em sua época, juntando, ao seu patrimônio
de latifundiária, várias possessões de terras do município, e
garantindo a sobrevivência do feudo com o trabalho servil de base
escrava, que jamais aboliu nas cercanias das suas fazendas e na
casa-grande do sítio Tatu.
Ali,
ignorou a abolição da escravatura e durante a primeira década do
século precedente continuou sendo carregada de liteira pelas ruas de
Lavras, segundo os seus próprios descendentes, que com ela
conviveram de perto e testemunharam a sua maneira ousada de viver.
No
sítio Tatu – como reza uma quadra popular –, não apenas criou
negros para o sei deleite, mas os transformou em expressões de
relevo da vida social do município, exportando-os também para
outras regiões do Ceará, tais os casos de José Ferreira da Silva
(o Zé Rainha), personagem de destaque do carnaval de Fortaleza; e de
Luís Preto, que foi imortalizado por Batista de Lima num dos seus
poemas de maior expressão.
Vivendo
num momento marcado pela presença do banditismo das hordas facínoras
de cangaceiros, não deixou de arguir em torno de sua defesa pessoal,
na preservação dos interesses legitimados pelo seu código de
honra, homens ágeis no manejo do trabuco como um Antônio Preto ou
um Nego Bento, ou ainda cangaceiros destemidos do porte de um Miguel
Garra.
Desfrutou
Dona Fideralina as concessões sociais da sua época; mas é certo
também que dispensou as regalias que lhe eram conferidas pelo
sistema latifundiário, fazendo o percurso do sítio Tatu até a sede
municipal nas costas de possantes cavalos, sempre com um bacamarte na
lua da sela, cena varonil que deixou marcantes impressões no Dr.
Augusto Dias Martins, que exerceu as funções de Juiz de Direito da
Comarca de Lavras, no final do século dezenove.
Viúva
ainda muito jovem, assim permaneceu até a data do seu desenlace,
sublimando a sua solidão e, possivelmente, a sua libido, com a
energia que movimenta o mundo da política, mas surpreendendo,
também, pelo gosto que demonstrou pelas coisas da cultura, tendo
sido, em Lavras da Mangabeira, correspondente da revista Estrela,
fundada e dirigida em Fortaleza (e depois em Baturité e Aracati)
pela escritora Francisca Clotilde.
O
seu esposo, Ildefonso Correia Lima (16.3.1928 a 27.12.1876), natural
de Várzea Alegre, exerceu, na Vila de São Vicente das Lavras,
preponderante atuação política, tendo ali ocupado os cargos de
membro da Guarda Nacional, juiz municipal, delegado de polícia,
vereador e presidente do Poder Legislativo, o que correspondia na
época ao cargo de Prefeito.
Além
do seu marido, todos os seus filhos, genros e cunhados protagonizaram
de tal modo o poder político em sua terra, que se torna difícil, na
história de Lavras, encontrar um cargo de chefia do Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário (estadual ou municipal) que não tenha
sido por um deles monopolizado, isto desde quando ela resolveu
encarnar a política como vocação, somente deixando de reinar após
a sua morte, em 1919.
Conhecida
igualmente por Fidera, ou Didinha, como ainda hoje lhe fazem
referências alguns membros da família, o certo é que Dona
Fideralina Augusto tem presença assegurada na história das
transformações políticas por que passou o Ceará nas primeiras
décadas da República Velha.
Figura
lendária e até certo ponto mitológica, em seu município e na
região Sul do Ceará, a sua condição de matriarca de uma prole que
por diversas razões se tem destacado no Ceará e além-fronteiras,
imprime-lhe respeito ao nome e aos valores da sua tradição.
Em
Dona Fideralina, a vocação maior foi sempre a política, que
recebeu como herança dos ancestrais e que tão bem soube transmitir
como legado aos seus descendentes. Três dos seus filhos tomaram
assento como deputados na Assembleia Legislativa estadual, tendo dois
deles exercido o cargo de Vice-Presidente do Estado.
Dois
dos seus bisnetos chegaram ao Senado Federal e nele tomaram assento,
e doze outros descendentes seus exerceram mandatos de Deputado.
Diversos membros da sua estirpe memorável têm exercido postos de
destaque na vida política, administrativa e econômica do Estado,
bem como em outros setores da vida social do Ceará.
É
vasta a bibliografia a seu respeito. Entre livros e opúsculos, no
entanto, sugiro a remissão às seguintes fontes:
Dona Fideralina das Lavras
(Rio, 1990), de Heloisa Buarque de Holanda e Rachel de Queiroz; Uma
Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto Lima
(Fortaleza, 2008), de Melquíades Pinto Paiva; e
A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima (Fortaleza,
1991), de Rejane Augusto.
(in
Lavrenses
Ilustres, 3ª
ed. Fortaleza: Editora RDS, 2012)
Informações: http://famliaaugusto.blogspot.com.br/2008/09/fideralina-augusto-lima.html
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